quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Quero que o meu filho seja feliz!

«A secção para pais nas livrarias é esmagadora - é "um monumento gigantesco, com cores de rebuçados, ao nosso pânico coletivo"» É assim apresentada no site: www.ted.com, uma TED Talk, dirigida pela escritora Jennifer Senior, sobre a ansiedade dos pais sobre a feliciade que esperam que os seus filhos consigam.
 
Ao assistir irá certamente questionar-se sobre o que pretende para o seu filho e como esta ansiedade poderá estar a alterar as relações parentais e o ser-se pai ou mãe.
 
Até aos anos 70 do século passado, nos Estados Unidos da América, existia apenas um livro sobre como criar um filho. Escrito pelo Dr. Benjamin Spock e editado em 1946 "Meu filho, meu tesouro: como criar os seus filhos com bom senso e carinho" vendeu quase 50 milhões de exemplares até à sua morte.  Hoje em dia, segundo a escritora e como poderemos constatar nas grandes livrarias, a área de educação parental é gigantesca e passo a citar:
 
"É espantosa a variedade que encontramos nas estantes. Há guias para criar crianças amigas do ambiente, para criar crianças isentas de glúten, para proteger crianças das doenças (...) Há guias para educar crianças bilingues, mesmo que lá em casa só se fale uma língua. Há guias para educar crianças esclarecidas financeiramente e crianças com espírito científico e crianças que sejam o máximo em Ioga.(...) há praticamente um guia para tudo".
 
A autora reflete, não sobre o caracter ciêntifico dos livros, ou intenções dos mesmos, mas sobre aquilo que lhe parece ser um pânico coletivo, uma ansiedade em excesso para a educação dos nossos filhos quando a humanidade sempre assentou num processo continuo de parentalidade. E qual será a razão de tanta angústia ou ansiedade associada hoje em dia a um processo natural? Basicamente poderíamos dizer que as mudanças sociais que sofremos nas últimas décadas que obrigaram a mudanças dos papeis sociais, tiverem um peso significativo no processo de ser pai ou mãe. Se pensarmos que até parte do século XX, na Europa e Estados Unidos da América, o trabalho infantil era ainda comum, percebemos de forma mais simples que a principal função das famílias seria uma função de cuidado e instrução moral em troca de alguma receita precoce. O reconhecimento dos direitos das crianças, a punição legal da exploração do trabalho infantil conduziu a sociedade a concentrar-se na educação das crianças e a ver a escola como o seu novo trabalho. Sociologicamente há uma inversão de valores, se por um lado a criança deixa de ter valor económico, torna-se "emocionalmente sem preço".
 
O êxito que se ambiciona para as crianças é de tal ordem, que os pais passaram a trabalhar para os filhos, no sentido em que a escola já não é suficiente. As crianças estão sobrecarregadas de atividades extra-curriculares, mas isto representa uma sobrecarga também para os pais, não apenas financeira mas também de tempo, porque passam imenso do seu tempo a transportar as crianças para treinos e aulas disto ou daquilo. Atenção não querendo com isto dizer que as atividades extra-curriculares não devam existir, mas devemos ponderar se o tempo que implicam é de facto proveitoso para a criança e se depois do tempo dessas atividades mais o tempo de estudo, resta algum tempo para brincar, estar com a família e os amigos, e simplesmente descansar...
 
Além disso, no século XXI, a maioria das mães trabalha, ocupa lugares de chefia... isto quer dizer que os papeis de pai e mãe também se alteraram de forma significativa, menos tempo para os filhos quando eles "exigem" mais tempo, ansiedade para que sejam felizes sem sabermos sequer para que tipo de mundo estamos a criar os nossos filhos:
 
"Não tenho bem a certeza de como criar novas normas para este mundo. Mas penso que, na nossa busca desesperada para criar crianças felizes, podemos estar a assumir a carga moral errada. Considero que é um objetivo melhor e, atrevo-me a dizer, mais virtuoso, para fazer crianças produtivas e crianças morais, esperar simplesmente que a felicidade vá ter com elas em virtude do bem que elas fazem e das suas realizações e do amor que elas recebem de nós.(...) sigamos apenas os dos livros mais antigos — a decência, uma ética do trabalho, o amor — e deixemos que a felicidade e a auto-estima tratem do resto. Penso que se todos fizermos isso, as crianças continuarão a sair-se bem e os pais também, possivelmente em ambos os casos, ainda melhor. "
 
Educadora Ana Rita Maia